21 outubro 2015

O beijo de amanhã

Mande-me um beijo
Um cheiro 
Um alívio da vontade 
Uma foto de sorriso 
Uma palavra colorida 
Mande-me um beijo
Um pouco de saliva
Um aperto 
O desejo de olho 
Um chá de querer bem...
Mande-me um beijo
Se mande pra dentro de mim
Me perca em sua pele 
Deixe marcas invisíveis 
Mostre alegria em toda parte 
Mande-me um beijo 
Uma página qualquer 
Qualquer letra mal escrita 
Um sol sem soledade 
Um verso que extirpe a saudade. 
Mande-me um beijo
Num acorde 
Num "bom dia"  de chuva 
Numa flecha 
Numa mandinga displicente. 
Mande-me um beijo 
Com seu perfume 
Com suas inquietações 
Mande tudo com astromélias  e lírios 
E terei arranjos de você.

06 outubro 2015

Mais tempo

A busca por mais tempo
À procura de mais encontros
É o tempo da pedra 
Da folha e da poeira do chão 
Do momento deificado
E da brecha no instante. 
É o sorriso quando escapa dos lábios 
Extrapola o movimento 
Arregaça a inércia da mente
E transforma a miopia dos ouvidos
Num diálogo de olhos embebidos - 
à meia luz.  
A busca por mais tempo 
E de outras tantas novas fotografias 
É o tempo da luz 
Das horas e das flores da calçada 
Do barco apontado para o poente
Em dias de poucas nuvens 
E vermelho leve no cansar do dia. 
É a procura por sentido
Numa inconsciência de borboletas 
Que produz beleza 
Que surge doída
Que voa bendita
Que morre em seguida. 
A busca por mais tempo 
É o amor pulsando vivo
No lapso do olhar 
Na incompreensão das velhas letras. 

16 agosto 2015

Viva ao rei!

Quando se deitam, final, os mortos
Os rotos objetos caem da minha altura 
Cessam reminiscências e projéteis 
Na espiral que me mantinha torto 

Quando se deitam, final, os mortos 
Uma clareira se abre na perspectiva 
O primeiro se identifica com os demais 
E a turba de iguais me arranca do conforto

Quando se deitam, final, os mortos
Os cordéis do títere são expostos   
E é possível ver atrás do espelho
Desejo minha vontade sem esforço 

Quando se deitam, final, os mortos 
Estes vívidos brilhos de outrora 
Não mais se manifestarão sem outorga
No auto de resiliência que transcorro

Quando se deitam, final, os mortos 
A culpa some e tudo é novo 
Um frescor nas veias [tudo é novo]
Os olhos se abrem... do mar ao porto. 

12 agosto 2015

Embriaga

A sua voz me embriaga
Enche meus poros de sentimentos 
Confunde meus órgãos 
Faz-me flertar com adagas 

É uma algazarra de estímulos 
Quando vejo já deixei o chão 
Quando sinto há muito estou entregue
Quando falo nem pareço tão tímido 

A sua pele me embriaga 
Passo com veludo na voz 
Meus pensamentos caem como seda
Na lâmina afiada que me afaga

Uma devassa nos meus sentidos
Se ouço não posso tocar
Sinto o cheiro e não é da mesma cor
Dos lábios que me deixaram aturdido.

O seu espírito me embriaga
Preenche a tela com falsetes 
Você cria jeito, força e modo 
De arrancar de mim o que me agrada

Você me embriaga
Eu lhe oferto amplidão. 

07 agosto 2015

Dos danos.

Depois dos danos morais 
Colho, impiedosamente, o dano astral.
Devolvi minha alma...
Hoje não tem sol para os irracionais.

Os signos, os signos, os símbolos! 

Se o erro do cálculo jaz em si mesmo, 
É nesse risco que se dará a ampliação.
Se "fazer o incauto" pode te levar à loucura, 
Fazer o pragmático não me livrará do alçapão. 

As tramas, os dramas, as sombras humanas! 

Misantropo, alguém grita. 
Petulante, outro sussurra pelos cantos da boca. 
Olho pra baixo e tento ver de onde saíram... 
Mas é só meu acervo de máscaras delirantes e vozes roucas 

As personagens, o coro, uma tragédia! 

Depois dos danos morais 
Aceito, miseravelmente, o dano cerebral. 
O amor é um cão dos diabos, disse Bukowski,
Nunca desalinha, o papo é reto e a flecha é capital. 
 
As construções, as elaborações, uma dúvida! 

28 julho 2015

Sala de Espera II

É na sala de espera que tudo recomeça 
Que fantasias e recalques se atiçam 
Que a psique da um mortal duplo e 
Deixa-me com a pele fina - os pelos eriçam 

Pensamentos, "regra dourada", música de fundo
Qual seria o apontado, quem assumirá a culpa?
É hora de ver-se torpe, vil, divino e sábio 
Correndo menos sangue, faltando muito ar 

Por que não desligam a música ambiente?

É nesta sala que espero e me preparo
Enquanto cruzo olhares esfíngicos famintos
Preparo-me para me ver nu 
Para ser devorado nessas areias de ampulheta. 

Preparo para o impossível da razoabilidade 
Preparo que não se sustenta 
Preparado para me despreparar 
Pois não deve haver superfície que abrace suas profundezas. 

Como me irrita este rádio roubando meu silêncio... 

É na sala de espera que tudo recomeça
Que todos os eus se manifestam 
Falta corpo para tantos caciques 
Falta vida para tantos desejos irresistíveis 

Meu filho, minha fé, minha saúde, um amor 
Tudo me marca com ferro
Poesia, trabalho, minha casa, a próxima trepada 
Tudo me marca com fogo 

Desconfio do porquê de não desligarem o som
E já não há mais olhares para mergulhar. 

24 julho 2015

Bela do Vila, velho!

Chamá-la de dona de tudo seria ingênuo
És a dona dos meus olhos
Desde que deuses do teatro me destacaram
E pude admirar tanta graça e leveza. 

Evoé! 

Dizer que teus olhos sãos os mais lindos seria inocência, 
És toda beleza que ponho no mundo
Desde que pude fitar, por quase um segundo,
O fundo do teu mirar e me encantar (e me apaixonar!). 

Dionísio! 

Deuses do teatro, deuses de toda parte! 
Escutem esse homem enamorado 
Por ela, que tem olhos mágicos e boca escarlate...
E que vive na correria de agendas e ensaios - é toda arte!

Merde! 

Contentar-me-ia em ser expectador 
Mas a vida pede mais e mais de um amante 
Apenas aplaudir é inerte! 
Meus braços foram feitos para trazer para perto, ofegante. 

Oh, minha atriz 

Foste presenteada com virtuosa mirada 
Se não por nascimento, por destino inexorável, 
O que pede este incauto cantador de versos
É um espaço, uma marca, no palco onde tu amanheces! 

“Será que é divina
A vida da atriz”

Deco Placido, 24.07.2015

22 julho 2015

Corre, menino!

Corre, anda, acelera 
Mesmo que falte tinta
Ainda que minta
Apenas não pare 
Nem olhe para os lados
Somente ande, corra, sinta 
O que ficou por dizer, morreu
O que iria perecer, padeceu
O que era de enterrar, apodreceu
Corre, anda, toque em tudo
Corre, anda, mas em nada se agarre
Não seja fogo nem seja palha
Passe no meio do verbo 
Entre o dedo e o gatilho
O que era pra fazer, esqueça 
O que era pra criar, desfaça 
O que era para duvidar, entorpeça 
Corre, anda, pobre criatura 
Ignore o tempo e as medidas de ilusão
Não tema estrada ou alçapão 
Não pare para pedir 
Nem implore por descanso 
Não se detenha, tudo está em ebulição
O que era sonho, virou pó 
O que era desejo, virou queda
O que um dia já foi, já era
Corre, anda, vai
Nada é mais forte, nada mais importa 
Nada vingará se você não abrir a porta
Dos muros altos, sim, altos e grandes
E atravessar a soleira da mocidade que jaz morta. 

Mais do Mesmo Alívio!!!