31 maio 2015

Não-dito

Onde descansam as frases não ditas e 
Silenciadas por um olhar ou por um abraço descuidado?
Chegam mesmo ao destino, 
Preservam-se imaculadas em seus caminhos? 

Dúvida, lágrimas... [e sorrisos]

Trata-se menos de ler mentes excitadas
Que de se ter os códigos silenciosos das humanidades 
E um discreto, não simplório, repertório de alteridades. 

Dúvida, inconstâncias ... 

Onde descansam as frase não ditas
Para onde vão quando não acham a saída? 
Chacoalham num flíper mental 
Até que a ficha ou a energia se defina? 

Dúvida, desapontamento ... [e magia]

Trata-se menos de senhas corporais
Que estar familiarizado com desatinos 
E um universo de esconde-esconde pequenino.  

Ó, certeza... aconchegue-se mas não demore a partir! 

25 maio 2015

Alegrias

Estou repleto de desejos e razões 
Fotografias e relíquias sonoras
Um cemitério de interesses caducos.
Talvez eu deva morrer para, de novo, nascer 
Talvez eu deva dormir e não sonhar. 
O que preciso é ver! 
[Para de-novo ser agora 
Para de-novo chorar e abrir os olhos
Para tocar tudo que brilha...]
E ter novas medidas e dúvidas 
Novos votos, novas juras 
Novas tristezas felizes e arrebatadoras alegrias 
E, outra vez, ir me enchendo de vida. 
Vendo a vida aparecer
Doando vida para ser ... inteiro. 

15 maio 2015

Quadrilátero

Uma estante cheia de ideias e metal
Um altar cheio de fé 
Na cama sonhos e faltas refletida no espelho 
Um calendário convidativo 
E uma xícara entristecida de café...

Na porta eu penduro experiências e suor
Na parede tem quadro e guitarra 
Ainda tem um tapete para depois do dia 
E uma caixa de magias para o bem dormir

Um criado-mudo ninador
E fotografias que giram pelo ar
Tem até um computador e um armário
Uma janela de emergência 
E um pouco de memória e álcool para embriagar [a alma]

Os travesseiros são entes vivos que 
Dialogam, debatem e não me trazem paz de graça 
Mas trago em alto posto uma carranca
Que espanta as ameaças e as traças de  espíritos em desgraça. 

Tem um cadinho misticismo, judaísmo, budismo, freudismo e junguianismo
Outro tanto de candomblé, wicca, Pessoa, Joyce, Nietzsche
Mas tem algo que nunca falta
A sensação de vereda aberta esperando a caminhada. 

28 abril 2015

Contas

É uma conta 
Que traz um conto
Em cada ponto da guia 
Em cada firma me encontro

É um fio de contas
Carregado de história e fé
No pescoço reafirma
No amaci renova o àṣę 

É uma guia 
Sagrada 
É onde inicia a caminhada
De abiyán ao fim da estrada 

É uma conta
Que me foi dada 
É a mão do Òrìsà
Que em minha vida está pousada 

É um fio de contas
É o meu distintivo de fé
É o meu ìlèkè
Meu candomblé resistente - de pé. 

É uma guia 
Com os fios da minha idade
Com as cores do meu elédá
Com firma forte para me amparar. 

11 abril 2015

Chuva, chove!

Cheiro de chuva 
Barulhinho de água na janela 
Gosto de cama
Pensamento, música, livro, vontade de tê-la ... De ter ela! 
Razões e espera! 

É para se perder
Como a gota que deixa o céu
E não sabe no ombro de quem cairá 
No asfalto já molhado ou num peito ressecado - que sorte terá?

Gosto de cinema com cadeira dupla...
De filme bobo e trilha quente
De chocolate na boca e 
Desejo revirando a gente! 

É para se apresentar
Como a gota que cai no olho
Limpando providencialmente a retina 
Deixando mais linda a menina-dos-meus-olhos. 

É chuva, mas poderiam ser pistas de você 
Deixando minha rua, janela e alma mais contentes
Por de tão longe, tão perto parecer.
Por de tão longe, tanta calma me oferecer!

08 abril 2015

Parteiro

 Todos nós carregamos algo do passado...
Uma unha encravada, um olhar desviado, o nome não pronunciado
Um mosquito a perturbar de noite. 
Temos, todos, uma neurose ou outra, 
Um quê de clichê - de humanidade. 
Mas poucos se deparam com o fim da taça, 
Com a roupa já velha no armário... 
Se importam com abraço frouxo ou
Se rebelam contra a própria chatice! 
Menos ainda têm a gana indomesticável de parir de uma vez o que passou
- Num movimento de expulsão interior, 
Como uma bomba de rosas-sem-espinhos:
Calados no útero da história e 
Aprisionados no cordão umbilical.
Deixando o passado livre no mundo
Mas sabendo que ele é a única língua compreensível no porvir. 

11 março 2015

A cidade

O sol já se põe na cidade
E ainda caminha o homem de meia-idade
Por entre as nossas veleidades 
Contando seus segredos como se fossem verdades
Nesta vida de quantidade
Já não sabemos o que é alma, corpo e personalidade.
E assim como "um rio é sempre sem antiguidade" 
Todo amanhecer deverá ser sempre uma novidade
E os mistérios trarão sempre sua porção de malfeitos e bondade
Eis o homem da velhice à mocidade. 
Para sua natureza, um rufar de lealdade
Para a presença do outro, a tal felicidade...

Mais do Mesmo Alívio!!!