15 março 2018

Viagem ao centro da cura

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Checa o monitor
O senhor tem alergia a quê?
Quem é o cirurgião?

Confere o manguito
A sala já está pronta?
Quanto o senhor pesa?

Já tem operacional pra levar?
O senhor vai fazer qual procedimento?
De quanto tempo o jejum?

Vamos fazer o check list

O anestesista já chegou? 

Quanto de dor já suportou?

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Precisa de sangue, doutor?
O senhor tem alergia a quê?
Aqui só se pensar em viver

Confere o prontuário
Qual é mesmo o procedimento?
Senhor, segurança pra todos no momento! 

Posiciona o paciente
Só vai tirar um soninho pra relaxar
Pegou o acesso, monitora a PA

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Tá vendo? Já acabou
Volta pro CRPA
Espera teu corpo voltar.

Liga pra o andar
E só leva quando a enfermeira chegar
Prontuário, receita e atestado pra levar

Tira o eletrodos
O senhor já vai voltar
Não esqueça de beber água e urinar

Pode levar, operacional
O senhor descanse e bom jantar
Em casa é lugar de melhorar.
Décio Plácido Neto, 15.03.2018

14 março 2018

Deus também tira folga

Enfrentei, outra vez, a escuridão
Um terror só vislumbrado da beira
Como um simulador de morte certeira
Numa realidade paralela de mesmo corte

Ainda dói cada fibra nervosa
Esgotei cada tecido em câimbras
Dos tremores da dor, outros músculos vingam
Num esforço para não despencar da borda

O que vem com o grito do horror
Do espasmo que contorse e retorce e
Encapsula a sanidade num grilhão
Pesado demais, cansado demais, num intuito vão

A dor da pedra
O ouriço natural
Eu calço a dor e
Expulso a flor de cálcio

Nunca fito os olhos de Medusa
Sofro cego por receio do mergulho
A tentação de homeostase é graúda
E quer acabar com o que é mente, corpo e dúvidas

Tenho sido desafiado por Cérberos
Tenho me extenuado com Kongamotos
Tenho alucinado desfiladeiros sem cor
Tenho tido medo de não voltar da porta

O santo do dia - uma alma fria -
A mestra que segura a chave, a guardiã
Que traz o elixir, não sem me punir,
Com demoras, sorrisos de bondade en passant

A dor deu pedras
De sal e sais
Eu urino terra
E minerais imorais

... e Deus não veio trabalhar.
Décio Plácido Neto, 14.03.2018

13 março 2018

Temporada de pedras

Pinga
Vejo gotejar
Percebo escancarar as entranhas
Quando desce pelo equipo

Tramadol
Morfina
Umas doses de calma
Num corpo que grita

Enfermeiras
Luzes acesas
Afere a pressão, mede temperatura
E meu corpo é só uma massa

Estar no hospital é tão mortal quanto nascer

Pinga antibiótico
Aumenta o antinflamatório
A prisão de ventre
Dá voz a minha dor inconsciente

Qual o aprazamento?
- Pergunto para a pitonisa
O médico não mudou
E os novos bisturis invadem meus ouvidos

Nego a gravidade
Barganho com os Orixás
Aceito a dor nas costas
Converso com meus cálculos renais

Estar no hospital é tão entediante quanto morrer

Pinga
Pinga, enfermeira
Um pingo de humanidade
Neste corpo já tão sem vontades

Goteja lágrimas
Espera o maqueiro
O roupão não cabe
Esse quarto pequeno não cabe qualquer vaidade

Desce pra tomo
Ultrassom e raio x
E o frio só não congela
A tortura de sofrer por qualquer dor

Estar no hospital é tão esquizofrenizante quanto todo dissabor.
Décio Plácido Neto, 13.03.2018

21 fevereiro 2018

Nobreza marginal

Confesso: minha alma é aristocrata
Descendo de uma linhagem imaginária
De reis esnobes e arrogantes da Bahia
Dos reinos de São Caetano e Nazaré (das farinhas)
De uma seiva incomum nas veias
Com um brilho inconteste sobre a pele
Visto pelos olhos fechados do desejo

No entanto, luto nessa vida proletário
Tenho sol, poeira e chuva nos ombros
Faço versos no descanso do turno da luta
Como de tudo, bebo também, sem labuta
Faço contas, pago planos, almoço a peso
Vou ao Buracão e tomo sol em exagero
 E sou pipoca de lavagem em todo largo

Me encanto com clássico e popular
Me arrisco num samba marginal para desvendar

Dos restaurantes de Sampa e da Barra
Aos pés-sujos de toda brejeira Salvador
Sei do menu às neuroses de seus garçons
Sorrio pra todos e pago gorgeta
Não é sobra, mas empatia na mesa
Na minha esquizofrenia social
Um aristogato vira-latas em ascenção

Pago Alimentos com olhos em Dubai
Decorei os manuais de etiqueta
Minhas roupas, após seis vezes, são caras
Uso também itens da promoção
Meu tempo de vida é mais que dinheiro
Meus gestos, sobre acusações, são finos
Ainda que ande com martelo e foice no peito.

Me encanto com vernáculo e linguajar
Me arrisco numa poesia marginal para revelar

06 fevereiro 2018

Vem pra rua

Tava cheio, 
Tava lindo,
Tava sujo
e muito calor
Carnaval antecipado
Furdunço descarado
E governantes cheios de bossa
Vem pra rua Salvador!
Micro trio
Micro prévia
E muita cerveja
Parecia cota única
Um único rótulo no isopor
Sem reclamar... 4 por 10 (reais)
Isso já é quase amor.
Polícia, tinha no bonde
Guarda, se viu de longe
Gente metendo dança, coisa fina
Banheiro químico nem perto
Os morros vertiam lama sob os pés
A Salvador criativa do hightour
Não dispensa seu perfume de cevada e urina
Era véspera
Era ensaio
Era o circo na negra Roma
Para gladiadores, os foliões
Para imperador, os foliões
Para corpos mortos, os foliões
E reencenamos a loucura social com honras
Tinha coroa
Tinha chinela
Tinha até fantasia de si
Tinha negro
Tinha viado
Gente de boa, gente naquela
Tinha um mundo hipnotizado passando por mim
Mas nem tudo nos olhos
Às vezes, no chão
Mais uma lata, catavam sujas mãos...
Mas quem poderia ver?
Se descer ou subir era
Só ao comando do refrão
Deixando a lata cair pra desaparecer.
Mas, faltando cinco dias...
Já é carnaval!
Nem camarista
Nem alcaide 
Me dirão como dançar
Que corda pular ou a cerveja perfeita
O carnaval só me serve
Para ver o samba nascer
Nos pés da minha preta.
Décio Plácido Neto, 05.02.2018.

20 novembro 2017

¡Aquí me quedo!

Nesse chão
De terreno criativo
Abençoado por deuses
Aqueles mais antigos
Glaciais desde o início
De asas tão enormes
E silêncios gelidos
Que me fizeram respirar,
Em comunhão, pela primeira vez.
Descanso minha história e vejo
Detalhes imperceptíveis
Como todos brancos da neve.
Aqui,
Revejo decisões
Acalmo angústias de homem,
De pai, que tenta ser crente e gente
Nos rastro de pumas, vulcões e cobre.
Mais de 12.000 anos de história.
Quase 39 no corpo
Menos de 15 na pele
E são 16 °C de beleza e emoção 
Enquanto maltrato o espanhol.
Na terra de Mapoches, quéchuas e tantos
Vou redescobrindo ancestres milenares
De museu em museus, de bar em bar.
Bem, nem tudo que é belo é singelo
E Santiago me deu asas e calos.
Santiago tem cheiro,
De flores,
De montanhas,
E gosto de cabernet e caminhada.
Além de Marijuana e Morfina - não é, Pablo?
Enquanto ouço os canhões
Que sujaram sua alma, Moneda,
Com o sangue do camarada Allende,
(Irmão doutor e seu final atraiçoado
Pelas hienas velhacas da Armada),
Subir e descer os cerros
Trotar degraus
Mirar a cerca alva dos Andes
É como cambiar matéria e infinito.
Uma oração,
Toda absolvição
Transcendendo sujeito em energia
A saga inversa de Augusto a Salvador
Adoçada por arte em toda parte e
Músicos e seus amplificadores de anseios e sons.
Violão, sax e rap
Se misturam à educação e à rebeldia chilena.
Santiago é um acervo
Tradição, pop, cult
Uma escola com partido e vida
Da inundação de informações
À perplexidade que nos toma e emociona
Pelos muros, esculturas e outdoors.
Um brisa me captura
Ferve meu sangue
E atiça meus pelos
É ela que canta, a mesma língua de minha terra,
Entre albatrozes e pelicanos
Surgem, também gélidas,
As mãos de Yemonja
Abençoando meu corpo pelos pés.
De outro nome a outro sonho,
Me batizei no Pacífico de Viña del Mar.
De Neruda a Castro Alves
Esse Deus alado me acompanha
Nas asas do condor fiz minha solitude
Minha formação, minha transformação, minha transtudoessência.
Décio Plácido Neto, 20/11/2017

14 maio 2017

Além da dança.

Te conheci ao te ouvir 
Te desejei na invasão da tua voz
O reconhecimento veio ao tempo da fala
E a vontade trouxe uma longa espera

São alguns dias, e outros anos
Já passamos por nós dois
Já vivemos aventuras devaneiantes
É-nos familiar o amor-fati

Vejo-a nas danças de Giselle
Te imagino vestida de palavras
Faço coro com Albrecht - da Silésia - da cochia
Te leio em noites insones

O teu sorriso parece um convite
A tua elegância é uma inspiração
Identificado, fisgado, impulsionado
O ballet de imagens que te apresenta 

Que os espíritos das virgens não te levem
Que o meu olhar não te interrompa
Que o meu túmulo esteja em tua voz 

Renascemos em todo novo dito

Mais do Mesmo Alívio!!!