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26 março 2018

Artesanar

Não são tanto marteladas e forjas
Mais parecido com coesão e delicadeza na liga
Pra juntar força, pra ter peito e fôlego
E desembainhar a voz teimosa por expressão

O verbo mudo ganha corpo e vulto
Nos olhares ambiguos das salas de espera
No dissabor da atenção quebrada
Na lombada fria de uma curva acentuada

O verso simples - de empinar as cadeiras -
Preenche entranhas, colore sonhos - tonifica! -
Se diz na rua, no consultório, até num balcão de pães
Com maquinação leve, sem trava na boca

Mas eu nunca trouxe verso na mala
Desconfio até que não os diga muito bem
Aqui, o vulgar era um-pra-um. Um desejo,
Uma estrofe, um cansaço, o universo de uma palavra de inteira.

Entre sonetos e tudo que sou eu
Há  quem diz querer,
Há também quem precisa fingir que não quer.
Existem as badaladas dos sinos
E uma ou outra trama por saber 
Sobretudo, urgência em construir pontes entre as letras.
Décio Plácido Neto, 26.03.2018

15 março 2018

Viagem ao centro da cura

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Checa o monitor
O senhor tem alergia a quê?
Quem é o cirurgião?

Confere o manguito
A sala já está pronta?
Quanto o senhor pesa?

Já tem operacional pra levar?
O senhor vai fazer qual procedimento?
De quanto tempo o jejum?

Vamos fazer o check list

O anestesista já chegou? 

Quanto de dor já suportou?

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Precisa de sangue, doutor?
O senhor tem alergia a quê?
Aqui só se pensar em viver

Confere o prontuário
Qual é mesmo o procedimento?
Senhor, segurança pra todos no momento! 

Posiciona o paciente
Só vai tirar um soninho pra relaxar
Pegou o acesso, monitora a PA

Tain, tin, tin, tain
Tain, tin, tin, tain
Tá vendo? Já acabou
Volta pro CRPA
Espera teu corpo voltar.

Liga pra o andar
E só leva quando a enfermeira chegar
Prontuário, receita e atestado pra levar

Tira o eletrodos
O senhor já vai voltar
Não esqueça de beber água e urinar

Pode levar, operacional
O senhor descanse e bom jantar
Em casa é lugar de melhorar.
Décio Plácido Neto, 15.03.2018

14 março 2018

Deus também tira folga

Enfrentei, outra vez, a escuridão
Um terror só vislumbrado da beira
Como um simulador de morte certeira
Numa realidade paralela de mesmo corte

Ainda dói cada fibra nervosa
Esgotei cada tecido em câimbras
Dos tremores da dor, outros músculos vingam
Num esforço para não despencar da borda

O que vem com o grito do horror
Do espasmo que contorse e retorce e
Encapsula a sanidade num grilhão
Pesado demais, cansado demais, num intuito vão

A dor da pedra
O ouriço natural
Eu calço a dor e
Expulso a flor de cálcio

Nunca fito os olhos de Medusa
Sofro cego por receio do mergulho
A tentação de homeostase é graúda
E quer acabar com o que é mente, corpo e dúvidas

Tenho sido desafiado por Cérberos
Tenho me extenuado com Kongamotos
Tenho alucinado desfiladeiros sem cor
Tenho tido medo de não voltar da porta

O santo do dia - uma alma fria -
A mestra que segura a chave, a guardiã
Que traz o elixir, não sem me punir,
Com demoras, sorrisos de bondade en passant

A dor deu pedras
De sal e sais
Eu urino terra
E minerais imorais

... e Deus não veio trabalhar.
Décio Plácido Neto, 14.03.2018

13 março 2018

Temporada de pedras

Pinga
Vejo gotejar
Percebo escancarar as entranhas
Quando desce pelo equipo

Tramadol
Morfina
Umas doses de calma
Num corpo que grita

Enfermeiras
Luzes acesas
Afere a pressão, mede temperatura
E meu corpo é só uma massa

Estar no hospital é tão mortal quanto nascer

Pinga antibiótico
Aumenta o antinflamatório
A prisão de ventre
Dá voz a minha dor inconsciente

Qual o aprazamento?
- Pergunto para a pitonisa
O médico não mudou
E os novos bisturis invadem meus ouvidos

Nego a gravidade
Barganho com os Orixás
Aceito a dor nas costas
Converso com meus cálculos renais

Estar no hospital é tão entediante quanto morrer

Pinga
Pinga, enfermeira
Um pingo de humanidade
Neste corpo já tão sem vontades

Goteja lágrimas
Espera o maqueiro
O roupão não cabe
Esse quarto pequeno não cabe qualquer vaidade

Desce pra tomo
Ultrassom e raio x
E o frio só não congela
A tortura de sofrer por qualquer dor

Estar no hospital é tão esquizofrenizante quanto todo dissabor.
Décio Plácido Neto, 13.03.2018

14 maio 2017

Além da dança.

Te conheci ao te ouvir 
Te desejei na invasão da tua voz
O reconhecimento veio ao tempo da fala
E a vontade trouxe uma longa espera

São alguns dias, e outros anos
Já passamos por nós dois
Já vivemos aventuras devaneiantes
É-nos familiar o amor-fati

Vejo-a nas danças de Giselle
Te imagino vestida de palavras
Faço coro com Albrecht - da Silésia - da cochia
Te leio em noites insones

O teu sorriso parece um convite
A tua elegância é uma inspiração
Identificado, fisgado, impulsionado
O ballet de imagens que te apresenta 

Que os espíritos das virgens não te levem
Que o meu olhar não te interrompa
Que o meu túmulo esteja em tua voz 

Renascemos em todo novo dito

13 fevereiro 2013

Cativo

Quando deixar de cultivar escrúpulos
De ser submisso ao bom senso... 
Amiguinho da cortesia
Libertarei meus escravos dos termos de grupos

Quando matar o que for orto-mente correto
Tirá-lo de minha fluidez
Que atua (sem subterfúgios) em minha mente
Retórica de shadow e prosódia de reto...

A ignorância reside sob a repetição
Faz seu ninho de gravetos
E limalhas de ferro enferrujado
Sob o sol de um novo dizer sem ambição

Tanto tempo sem pegar na pena
É meu castigo e aceito sem tanta ira...
Enquanto mantiver minha poesia cativa
Minha alma aparecerá sem escrita.

Cultivar . Cativar . Deixar cativo.

Mais do Mesmo Alívio!!!