29 fevereiro 2020

Diz-me se você gostou tanto
Se nem sentiu a madrugada, e
Que foi o dia que se apressou
Em ofuscar os nossos olhos 
Se estava do teu gosto, pergunto-me...
A música, o jantar, os beijos, o atalé
O movimento das mãos, inclinação do olhar 
Não se apresse na resposta, nem precisa falar 
Diz-me se você gostou dos termos
E se naquela rua, no final de tudo
Já se descortinava a pedra, o esteio
De uma nova estrada tempo a fora
Se você ouviu a mesma música 
Que eu dançava sem demonstrar 
Se você já sentia o cheiro 
Das flores que já guardei pra te dar 
Diz-me que a noite surpreendeu 
Não tanto pelo tempo das horas -
Que se multiplicavam enquanto se extinguiam -
Mas pelo tempo que levou pra começar 
Décio Plácido, 27.01.2020
O que você fazia
Enquanto fazia falta?
Que flores colhia?
Que gostos sentia?
Enquanto os perfumes dos lençóis
Se perdiam na lavanderia...
Que nomes dizia?
Quantos foram os sonhos...
Sabe qual a cor
Dos dias que vivi?
O que você fazia
Enquanto fazia falta?
Só sei de ausências
De paginas em branco
Nuvens intransponíveis e
Pessoas de uniforme.
Nem em sonho me vinha...
Nem no trago te sentia.
Todo vazio
Transborda qualquer contido.
O que você fazia
Enquanto fazia falta?
Ao menos se divertia ou
Algum alívio desfrutava?
Não era mais falta
Mas uma presença mal acabada. 
Décio Plácido, 29.01.2020
O que mais você ama? 
O que você pensa da beleza?
Quero saber cada detalhe
Do que lhe interessa (lhe apetece)
O que lhe rouba o sono? 
Por que sustenta o olhar? 
Entender as minúcias do seu desejo
O que lhe move e enlouquece.
Se você prefere a vida inteira 
Ou somente até morrer 
Se o amor é um sonho eterno
Ou um destino desde o nascer... Para que você se arruma?
De onde brota o sorriso, o choro, o gargalhar?
Quero estar por dentro 
Das coisas dentro de você... O que dirige seus pensamentos? 
Que estética você prefere? 
O que só confessa ao espelho
O que você canta no chuveiro... O que te faz renovar?
Se você ainda pensa em casamento...
Vou tateando neste acerta e ganha 
Até à sua essência poder falar.
Décio Plácido, 03.02.2020
A noite encobre nossos desejos 
Seu corpo leve 
Distorce meus anseios 
Num cultivo de afetos
Atrevidos e sem manejo! 
As palavras contorcionadas
Meu corpo entregue
Numa névoa sem trégua 
De suor e calor 
Desleitura somática encarnada!
A manhã traz o cansaço 
Nossos corpos marcados 
Bocas, dentes e garras 
Ainda ardiam os arranhados
Ideias indomáveis ganham espaço!
A noite reconhece os corpos
Os dias traduzem desejos!
Décio Plácido, 15.02.2020
Quanto de delírio há no amor?
Quanto de cansaço e
Quantas são as letras tortas 
Apregoadas sobre suspiros? 
Quanta cafeína é necessária
Para um sono injusto?
Quanto excitação para servir
Palavras sem cor e sabor? 
Quantas folhas pautadas 
Para narrar minha loucura 
Faz-se preciso e capital 
Neste idioma alucinado? 
Quanto de delírio há no amor ?
O que não pode ser atrofiado
Para se erigir acima da fadiga
E revelar qualquer sentido ignorado? 
Quanta psicologia é necessária
Para uma vida incerta? 
Quanto de fala e reencantamento
Servem a um novo existir? 
Quantos diários incompletos 
Foram amontoados no meu inferno
Para que não se saboreasse 
A implosão caótica do devir?
Quanto de delírio há no amor? 
Quantas questões o amor cala?
Décio Plácido, 17.02.2020.

23 setembro 2019

Divino em água

A água que corre na fonte fraquinha
É a mesma do longínquo horizonte
Lá onde me perco em devaneios
E somem os vincos da testa

A águas que banham as areias da costa
São as mesmas que me convocam
Para a bênção seminal do infinito
Para reforçar o que está escrito

As águas que dividem margens
E que não se perdem em pedras
São as mesmas que me afogam
Para ressurgir em espírito e corpos novos

A água preparada que me banha
Também me sacia a sede
Abre a conexão com meus deuses
Faz-me menino, homem e divino

Meu corpo é água
Tratada em mata e ouro
E hábil em refletir luar e prata
Enquanto define caminhos.
Décio Plácido, 05/09/19

05 julho 2019

Ela me fala

ela fala
eu amo e reajo
eu escuto e reparo
posso brigar
no fim, calo

ela fala
e diz dos seus pontos
tensionamos a corda
me arrependo
no fim, um estalo

ela fala
retruco em audácia
dizemos o mesmo
repreendemos a insensatez
no fim, ela cala

me ensine a fala
na delicadeza de seus ouvidos
uma reta ao anticentro da razão
aprenderei a dizer das suas coisss
e não haverá silêncio.

ela me fala.

11 novembro 2018

Desejo que seja

Não-ser é cansaço
E não se ver é sofrer
É ter a dor como travesseiro
A solidão como parceira de cama
O descompasso por despertar
E o silêncio se encarregará do “bom dia”

Não-ser é cansaço
E não se reconhecer é envelhecer
É ter os dias como adversários
Sem protetor solar ou galochas
As manhãs escravas das tardes
As noites são as criadas das longas madrugadas

Não-ser é cansaço
E não se saber é fenecer
É ter geladeira vazia e espelho quebrado
É a morte do cachorro, do pai, do namorado
São quartos assombrados por aquilo que-é
E salas sempre frias

Não-ser é cansaço
E não se gostar é parecer desaparecer
É ter hormônios e desejos deprimidos
Pouca calma e nada, quase nada, de alma
É ter uma vista única para o caos
E portas para lembranças já perdidas

Não-ser é cansaço
Não se perceber é capital
É ter ídolos tombados
Sem ebó, ramadã ou natal  
De saudade de si
Morre-se já no primeiro degrau.

Mais do Mesmo Alívio!!!